Povos de São Paulo, tribos do mundo
Por Nei Schimada
Chove um malmequer bem me quer desenfreado que até dava pra controlar no comecinho, nas gotículas frouxas na queda do toldo. Agora com essa multidão de gotas, todas-gotas-right-now ao mesmo tempo agora, igual no disco dos Titãs, não há Cristo que faça a brincadeira do bem me quer sabiamente.
Como dizer que me ama se todos os sinais gritam sins e nãos ininterruptos? Aqui no toldo é o quinto cigarro. Último no maço. Último.
Tudo cabe no último cigarro. Pode ser a bomba relógio da despedida solitária, para começar a caminhar até a bilheteria para pegar o da meia-noite, voltar indefeso, frouxo e fraco para casa.
Pode ser a primeira tragada no último cigarro de hoje. Pode ser o milagre da multiplicação e começar a chover Monte cristos cubanos de cem dólares. Pode ser um eclipse. Pode ser o ultimo cigarro antes do inevitável enfisema.
Pode ser o início de um incêndio. Não. Não na chuva, nunca na chuva. Nunca comece um incêndio na chuva se você não estiver de guarda-chuvas, mesmo embaixo de um toldo de farmácia.
Incêndio mais bombeiros, mais transeuntes notívagos curiosos, mais charutos cubanos, mais quase meia noite não combinam.
Um vulto vindo da Santa Ifigênia. No lusco fusco inebriado, cinza prata da chuva e lâmpadas mercúrio, acho que o vulto pode ser você. Sem guarda-chuvas? Você não viria desprotegida, jamais. Talvez viesse nua e de salto agulha, uma aparição - Matahari Luz Del Fuego na minha jugular, mas num dia como esse, depois de um telefonema pé na bunda, jamais, nem nua ou sem guarda-chuva.
Quando eu falei que queria o disco do Pixinguinha, falei brincando. Era pra citar aquela do Chico. Uma citação, um engodo literário metafórico irônico de um trouxa sendo jogado numa van lotada de eunucos inconsequentes.
Você levou a serio, falou que devolvia, que era pra eu esperar ali na esquina da São Bento com Boa Vista. Cá estou. Seríssimo. Frio de rachar. Último cigarro.
Incêndio, chorinho, a flauta do Pixinguinha - tu eras minha rosa, tu eras divina e graciosa, estátua majestosa do amor por deus esculturada. Ao diabo o disco do Pixinguinha. Ao diabo com tuas lágrimas, teus desejos, nossos jantares, nossos humores, os lençóis. Ao diabo esse isqueiro que não acende. Você não chega, nunca virá, nunca viria, nunca esperei. Ao diabo.
Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros
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