21 de out. de 2009

CAMINHO TORTUOSO ATÉ A PAULISTA

Cidadania, inclusão e meio ambiente

Por Leonardo Feder

Leonardo Feder. Foto: David Feder A avenida Paulista virou, na minha opinião de cadeirante que circula pelo local, um paraíso em acessibilidade, após as reformas de 2007 e 2008 que custaram R$ 10,7 milhões à prefeitura na gestão Gilberto Kassab. Tanto que é lá (da praça Oswaldo Cruz ao Masp) onde ocorre a passeata anual do Movimento Superação, um grupo de pessoas com ou sem deficiência que promove projetos culturais visando à inclusão social.

MAS... Moro na Rua Tomás Carvalhal, no bairro Paraíso (talvez só no nome), e consigo chegar até o shopping Paulista em 25 minutos – só que nunca sozinho, devido à falta de guias rebaixadas e aos buracos e desníveis em calçadas do caminho (vejam as fotos no post O DESAFIO DE LEONARDO NAS RUAS DE SÃO PAULO). Como posso ter a liberdade de ir e vir com independência e assegurar minha plena cidadania se não posso usufruir por conta própria das benesses (de cultura, consumo, gastronomia) da cidade?

Além disso, estando nesse apartamento para qual me mudei em julho de 2009, descobri o prazer de andar pela rua, observar os rostos e expressões das pessoas, participar dessas movimentações e sentir-me integrado à dinâmica agitada da cidade. Sou jornalista, cujo lugar é, como se diz, na rua.

Pois, quando morava na rua dos Democratas, no Jabaquara, ficava, literalmente, preso – as calçadas eram intransitáveis, mesmo acompanhado – e só conseguia sair com meus pais no automóvel. Tanto que resolvi fazer um trabalho fotográfico na igreja de São Judas Tadeu (durante a festa de 28 de outubro), quando estudava na USP, e tive de ir até lá com minha mãe de carro, mesmo sendo há poucos metros de casa.

A dependência dos pais para me levar a atividades extracasa, inclusive à universidade, durou até o final de 2008, quando surgiram os táxis acessíveis, que cobram tarifa comum e permitem entrar no veículo sem precisar sair da cadeira de rodas, verdadeira revolução em mobilidade urbana independente.

Mas os táxis não raro não têm locais seguros para estacionar para a descarga do cadeirante e, mais frequentemente, há transtornos advindos da condição das calçadas ou de estabelecimentos inacessíveis - com degraus na entrada, portas estreitas e inexistência de banheiros adaptados. Cansa ter que, toda vez que sair, me preocupar se consigo chegar ao local que pretendo. Já fui a festas em que tive de segurar a vontade de ir ao banheiro ou em que não pude nem entrar.

O poder municipal, em vez de ajudar, atrapalha. Fui em outubro de 2009 ao festival inLeonardo Feder. Foto: David Federternacional Assim Vivemos, que apresenta filmes com histórias de pessoas com deficiência, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), na rua Álvares Penteado. Problema: não é permitida a entrada de carros na rua, pois é um calçadão, onde circulam pessoas. Mas táxis acessíveis, da mesma forma que viaturas e ambulâncias, deveriam, em tese, poder entrar, certo? São poucos, risco de acidente quase zero. Mas não: alguns fiscais da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) ficam importunando os taxistas de carros acessíveis, ameaçando aplicar multas. Quando fui fazer um curso de informática num prédio na avenida Paulista, o táxi queria entrar na calçada só para me descarregar ou me esperar por poucos minutos, mas era espezinhado a toda hora. Os fiscais mostram que conhecem as leis, mas não o bom-senso.

Em 2006, sofri um acidente numa calçada: caí da cadeira de rodas ao transpor uma valeta quando descia a rua Napoleão de Barros, na Vila Clementino. Minha mãe estava comigo, chamou meu pai pelo celular e fomos de carro até o hospital Albert Einstein fazer a radiografia, que constatou a fratura no fêmur da perna esquerda – não é muito difícil imaginar a dor alucinante que tive desde a etapa de entrar e sair do veículo, fazer o exame e reposicionar a perna. Como se não bastasse, administraram-me um analgésico a que era alérgico, e tive um sério comprometimento cardíaco; fiquei cinco dias na UTI e saí de lá com sequelas na força muscular dos braços. Tudo porque resolvi sair às ruas... Desse dia em diante, sempre me prendo a um cinto de segurança na cadeira de rodas e recomendo o uso a todos os cadeirantes; mas deixar de sair, não.

Assim, o problema de acessibilidade nas calçadas permanece em pleno século 21 em São Paulo. Os prefeitos da cidade devem tratar essa questão como política pública prioritária e fazer parcerias com a iniciativa privada para viabilizar financeiramente a universalização da acessibilidade em todas as ruas. Além de incentivar os estabelecimentos comerciais a adequarem seus pontos, dando incentivos fiscais, se for o caso, estabelecendo prazos.

Se, é o mínimo que se exige, funcionários da administração pública que elegemos como representantes devem conhecer política e economia, que estudem o problema, chamem arquitetos, economistas e ONGs da sociedade para opinar, discutir e fornecer ideias e proponham soluções de curto, médio e longo prazo. Mexam-se com um empenho mais decisivo. Tomem iniciativas mais urgentes nessa área para, enfim, tornar cidadãos todos os paulistanos.

Leonardo Feder, 24, é jornalista formado pela Universidade de São Paulo e autor do livro “O Enigma do Assassinato das Idosas”.

Leia também:
”SER CADEIRANTE EM SÃO PAULO É UM DESAFIO”
”PESSOA COM DEFICIÊNCIA” NÃO É “DEFICIENTE”
O DESAFIO DE LEONARDO NAS RUAS DE SÃO PAULO

Fotos: David Feder

2 comentários:

  1. Infelizmente concordo plenamente com suas palavras. A Paulista é maravilhosa de andar, mas e as ruas que cruzam? E as paralelas? É pra isso que temos que lutar, conscientizar as pessoas a manter o que já foi feito, porque não é fácil, custa, e muito.
    Graças a Mara, hoje temos pelo menos a Paulista acessível, mas se dependesse dela, teríamos toda SP acessível.
    Espero que um dia nós possamos falar que há mais lugares acessíveis do que não acessíveis, e que haja conscientização e respeito daqueles que não precisam da acessibilidade.

    Abraços,

    ResponderExcluir
  2. Na minha opinião é muito importante expor as dificulades enfrentadas pelas pessoas com deficiencia,principalmente as relacionadas a acessibilidade.
    Tambem sou cadeirante e sinto na pele o que é falta de acessibilidade. Na cidade onde moro a maioria das ruas,calçadas e lugares não são acessiveis aos deficientes.Seria bom que todos que enfrentam isso expusessem essa realidade,que pode ser mudada.

    Abraços e Parabéns pelo seu texto!!!

    ResponderExcluir

Escreva seu comentário abaixo e clique em "Nome" no Perfil (não é necessário colocar a URL).