Nei Schimada*
Natsukashi é uma palavra japonesa. Pode ser mais tênue que a névoa outonal, pode ser a própria névoa. Pode ser concreta como o asfalto de todo dia.
Um gole d'água num copo de requeijão. Corredor de maternidade com o sorriso do obstetra tirando as luvas, olhando nos teus olhos.Uma específica canção de Caetano: natsukashi são os pés no riacho. Uma fresta de céu claro no meio dos galhos e folhas do juá.
O primeiro beijo de muitos até que chegue o primeiro ônibus trazendo o primeiro céu lilás. As últimas cinco linhas de um livro de Garcia Márquez.
Mãos pequeninas tateando o mundo através de uma vida ainda tão breve, mas tão intensa. Pães frescos do meio da tarde daquela padaria de depois do futebol.
Barulho de máquina de escrever. Soluções mágicas dos eternos quinze anos, até hoje eternos. Angústias torpes dos quinze anos, até hoje torpes. Amigos tão importantes quanto uma lata de bolinhas de gude.
A fauna que frequentava o Bar Riviera. Todos os seis ao redor da mesa discutindo o destino do mundo antes da pizza chegar. Amigos bêbados num Voyage preto.
Os girassóis voluptuosos do quintal do vizinho lá na Vila Formosa.A dança da garoa da infância na luz fraca e azul da Ladeira Porto Geral. As infinitas escadarias da pensão de minha avó.
Natsukashi pode-se carregar no bolso da calça. Dobrado na carteira. Nos onze dígitos de um telefone celular. No doce almíscar penetrante de um pescoço macio.
É primavera, verão, outono, inverno e primavera. São todos os giros dados pelos ponteiros de um relógio. Conversa de mãe, novelo de lã, bolinho de chuva, tarde de domingo e um filme dublado na TV.
Um jeito de passar batom, olhar-se no espelho, ajeitar o cabelo, sentir-se total. A origem sumindo no retrovisor do carro. Janela entreaberta. Lufada de vento. Ruído de vento. Vento.
O primeiro ultrassom com um ponto cinza chamado bebê. Trinta mil pessoas em uníssono gritando gol. Cortinas brancas dançando no lado de fora da janela do apartamento. Todos os botões soltos da blusa numa tarde de calores depois da aula.
A esquina, uma esquina. No virar da esquina a feira livre do bairro. Pastéis, gritos de peixes, tomates, mamões. Sons viscerais de um idioma inteligível. A gargalhada frouxa dos pretos. Teus olhos buscando os meus. Abraços. Vinho e queijo. Um dia. O outro.
Natsukashi em japonês quer dizer saudade.
Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros. Veja também:
SILÊNCIOS
O PATO
JANELA DE COZINHA
LA MISTICA, CAPISCI?
ESPERANDO ROSA
ANHANGABAÚ
FELIZ ANIVERSÁRIO, MINHA TERRA
Depois que a gente volta o outro lado é que aperta.
ResponderExcluirEu sei, Mário, quando voltei e fiquei 6 meses no Brasil, não via a hora de voltar pra cá, no Japão.
ResponderExcluirNós, dekasseguis, temos dois países e nenhum. Duas nacionalidades e nenhuma. Aí somos japoneses, aqui somos estrangeiros.
Puxa Japão...Outro lado do mundo...
ResponderExcluirÔ Nei, e eu aquí sem saber que havia outros textos seus neste endereço... Pensei que vc fosse mais constante lá que aquí, mas compenso lendo de uma só vez.
ResponderExcluirComo sempre, belo texto, Nei. A propósito, o Riviera a que se refere é "aquele", em frente ao Belas Artes? Putz, ia lá de vez em qdo entre 79 e 83, por aí... Natsukashii resume tudo. Beijos, LuMa
Saudades do jp ahahahahah
ResponderExcluirsaudades do jp ahahahahah
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