10 de ago. de 2009

IDIOMAS, IPSIS LITTERIS

Povos de São Paulo, tribos do mundo

Por Nei Schimada
Foto de Nei Schimada, Japão. Clique para ampliarHotel no bairro da Liberdade-SP. Foto: Gladstone Barreto. Clique para ampliar


Estou estudando japonês, aprendendo a ler e escrever. Como eu sei que nenhum dos senseis aqui virão para ler-me, posso dizer que o idioma falado é muito melhor e versátil que o gramatical. A gramática, maravilhosa e perigosa fiscal, atrapalha alguns avanços idiomáticos e cria normas esdrúxulas dentro de condições comunicativas onde basta falar.

Mas nenhuma gramática é torpe. As regras, todas satisfatórias, criam uma redoma mágica de sabedoria e prazer. As descobertas, os pulos de prazer, os pequenos achados para saber e perceber que isso é isso por causa daquilo.

Bom, filosoficamente, tudo na vida é assim.

Mas não perca seu tempo explicando a um japonês a regra de mesóclise. Para eles, é física quântica.

Há muitos anos, li uma entrevista com a Sonia Braga onde ela falava do longo período de adaptação em Nova Iorque, das dificuldades em encontrar-se em tal cidade e poder usufruir as grandezas que NY proporciona. O primeiro obstáculo, disse ela, era o idioma. Os cursos de inglês que ela tinha feito no Brasil a ajudava a fazer compras, mas não num bate papo.

E todos nós sabemos que nossos pais se conheceram e nós nascemos por causa de um longo bate papo inicial num baile, numa festa, num bar. Somos os reis do bate papo. Não ter esse convívio comunitário, para um brasileiro, é perder um pouco de sua civilidade.

Mas ela foi aprendendo e ao mesmo tempo cultivando o bate papo com o dono da grocery, laundry e o coreano do convenience store.

Anos se passaram e Sonia Braga viu que aprendera o inglês quando as crianças começaram a rir das brincadeiras dela.

Aqui é diferente. O japonês tem um código de conduta comunitário baseado no silêncio e, para que haja um primeiro contato com o vizinho, rolam algumas semanas. Crianças japonesas não são simpáticas com estranhos e não se pede uma xícara de açúcar na porta do apartamento ao lado apenas para ficar conversando sobre as condições do tempo ou o preço das coisas. Isso dificulta a adaptação dos estrangeiros ao idioma.

Eu bato um papo ocasional com o gerente do convenience store do bairro. Não sei o nome dele, não consigo ler os kanjis do crachá. Não importa, o fato de nós dizermos “bom dia, hoje esta quente, não?” já é um grande avanço no nosso convívio social. Pelo menos para mim.

Tinha o gordo do posto de gasolina, mas como comecei a freqüentar um outro posto, este self service, não converso com a bomba - apesar de ela falar sempre para não esquecermos o cartão ou o troco, agradecer e dizer volte sempre.

Os professores japoneses são absolutos em demonstrar seu poder e sua satisfação em denotar que o fato de saberem mais os fazem poderosos. Isso se explica nos quase 2000 anos de confucionismo e suas rígidas regras hierárquicas.

Não são despóticos, mas acreditam ipsis litteris que “Em Roma, faça como os romanos”, ou seja, no Japão, japonês. Isso gera algumas reclamações por parte de alguns brasileiros, mas é natural. A adaptação, além de idiomática, também é, ipsis litteris, cultural.

Rapidinha: No Japão, nenhum cachorro atende com assovio. Nenhum. O japonês não assovia porque para eles, isso é mal educado.

Nei Schimada Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros. Leia mais em:
DE CÁ PRA LÁ, BALANGANDO
NA PRÓXIMA QUARTA E OUTRAS DA SEMANA
AMIGOS, OS DISCOS, OS VINHOS – OS CARAS IMORTAIS
BOM BOM
A CORRIDA DE SÃO SILVRESTRE – OBSCURAS ORIGENS
TEM ESSA E OUTRAS PIORES
PAULISTANO QUE É PAULISTANO NÃO CHORA
ROBERTOS, CARLOS
TODO IMIGRANTE É A PULGA ATRÁS DA ORELHA

Fotos: Nei Schimada e Gladstone Barreto

8 comentários:

  1. Marco Marcel Liveaux13 de agosto de 2009 às 20:13

    Vc deve sofrer...me parece falante, como se vira com sua lingua aí...Sem respostas atravessadas em...

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  2. Mauro Saltino dos Santos14 de agosto de 2009 às 00:06

    Ué como é qu eles chamam Cachorro?

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  3. Caro Marco:

    Nao sofro nao, brother. Boa sacada, sou tagarela sim.
    Falo o nosso idioma com brasileiros. Somos 17 mil so em Hamamatsu (uma cidade de 800 mil hab).
    Abracos!

    Caro Mauro:

    Chamam pelo nome.
    Abracos!

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  4. Elvis,o de3s5or8gan4iza5do14 de agosto de 2009 às 20:34

    Pô cara,usa o famoso "jeitinho brasileiro" pra se comunicar he!he!he! Mas valeu aê! Talvez um dia também estude japonês.Alías de vez em quando leio o que você escreve.

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  5. O jeitinho nao eh produto nacional e nem foi criado em Pindorama.
    O jeitinho eh uma farra que nunca dara certo.

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  6. O jeitinho era antigamente...Na calada da noite na malandragem...hoje é tudo a luz do dia. Inauguramos o Jeitão e engula Brasil...

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  7. Caros Elvis, Tonico e Jose Nunes:

    Nao, o jeitinho nao eh produto de exportacao porque nao eh brasileiro. Eh uma forma mundial de furar fila - educadamente - por exemplo.

    Tonico:
    Voce eh o ator? Tomara. Concordo contigo, o jeitinho eh uma farra mesmo.

    Jose: Agora o jeitinho eh no horario nobre, luz de holofote, brilho e seducao. O jeitinho tem grife e mora nas coberturas. Eh uma tristeza.

    Abracos a todos!

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  8. José Henrique de Azevedo Ferreira16 de agosto de 2009 às 19:51

    Olha cara até o bate papo aqui ta morrendo...Já não é a mesma coisa a populção anda na rua desconfiada, amargurada...Mudou e mudou muito. VC que é feliz

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