4 de mai. de 2009

FUNICULI FUNICULÁ E A VIRADA CULTURAL

Povos de São Paulo, tribos do mundo

Por Nei Schimada*

Sou um excelente assoviador. Assobiador também. Afinadinho. No Brasil todo mundo assovia tudo, até rebolado de mulher, o que pode ser uma grosseria. Mas acredito que apenas pensar um assovio a uma mulher não a agride. Apesar de que no fantástico filme "A Noite de Cabíria" de Fellini, tem uma cena de um ragazzo assoviando para uma donna o que não nos dá a primazia mundial sobre a música labial.
Ou será "Oito e Meio"? Não importa, é Federico Fellini, então é maravilhosamente estupendo.

O formato melódico do cancioneiro brasileiro é propício ao assovio. Acho que é por causa da flauta tocada nas polcas e chorinhos do começo do século vinte. Tom Jobim e Chico Buarque também tem várias músicas com flautas, o que leva o assovio à bossa nova e ao samba canção. Mas não é só a flauta que faz a composição ser assoviada.

Algumas músicas são obviamente maravilhosas ao ouvirmos, e outras, tão maravilhosas quanto, só conseguimos compreendê-la assoviando. Ainda falando em Jobim, quando ouvimos "Águas de Março", fica clara a riqueza da mescla harmônico-melódica. Mas em "Chuva na Roseira", compreende-se totalmente sua mágica melodia na ponta do beiço. Cada sustenido existe para desdobrá-la em sensações extrasonoras, muito além da música, muito além da racionalidade.

Dei uma olhada na lista mastodônica de atrações da Virada Cultural. É música boa pra todo lado, democracia cultural ao preço de uma caminhada pelos caminhos tonitruantes do centro velho da capital. De Jon Lord a Wanderley Cardoso, de Arrigo Barnabé a Zé do Caixão. Diversidade absoluta distribuída em pontos estratégicos para todos os gostos.

Mas não tem nenhum assoviador no palco. Na verdade, não existem assoviadores profissionais. Todos assoviadores são tratados como atrações simples de shows de calouros em programas de auditório.
Há muitos anos peguei um táxi - isso sempre me soa estranho porque é evidente que são os carros que nos pegam - ali em Pinheiros, uma corrida curta. O motorista não era do tipo conversador, mas assoviava muito e de uma forma diferente. Ele fazia as duas vozes num sopro só. Fica difícil explicar, mas era como se ele assoviasse em estéreo, com a boca aberta não no meio, mas nas extremidades e em cada uma um tom diferente, a tônica de um lado e a terça do outro. Um naipe de metais numa boca só.

Eu perguntei como ele fazia aquilo. Não sabia, era coisa de menino. Mas eu percebi que ele não tinha os caninos o que poderia ser um adendo à sua técnica. O homem tocou Roberto Carlos, Pixinguinha, Luiz Gonzaga e improvisou umas fugas bachianas absurdamente psicodélicas. Mas na hora que ele começou a assoviar Funiculi Funicula, deu vontade de dançar dentro do Golzinho, sair pulando, sair correndo pela rua como se estivesse numa propaganda da Volkswagen. Doideira.

Funiculi Funicula
era a canção favorita dele para assoviar porque ele a tinha ouvido pela primeira vez na quermesse de São Vito, Mártir, ali no bairro do Brás e disse, "forrado de breja até os tubos, entrei na roda com aquela italianada e dancei até me esbaldar. Essa música é uma alegria só, menino".

Imagino um coral de mil vozes num imenso palco no Sambódromo do Anhembi. O maestro surge pela entrada do palco e é aplaudidíssimo. Silêncio total, respirações em suspenso. Uma soprano começa a cantar Aissera, Nanninè, me ne sagliette, tu saje addo'? E o coral responde (Tu saje addo'?)

Na hora do refrão 'Ncoppa jammo ja', funiculí, funiculá, funiculí, funiculá', ncoppa jammo ja', com quinhentas vozes acompanhadas de quinhentos assovios, a platéia vai ao delírio. Diz-se que o samba jamais morrerá - e é verdade - mas o Sambódromo se transformará numa grande cantina italiana a céu aberto.

Para uma cidade tão italiana como São Paulo, nada mais justo, nada mais Fellini, nada mais maravilhosamente estupendo.

Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros. Leia mais em: 
DEMAGOGIA FRANCA
QUEM TE VIU, QUE TE VÊ
A GALÁXIA DOS AFÔNICOS
NATSUKASHI
SILÊNCIOS
O PATO
JANELA DE COZINHA
LA MISTICA, CAPISCI?
ESPERANDO ROSA
ANHANGABAÚ
FELIZ ANIVERSÁRIO, MINHA TERRA

Um comentário:

  1. Nei, o "funiculá" por estas bandas já não tem a mesma feição do nosso funiculá. Começa a formar contornos de o Grande Duce. LuMa

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