9 de set. de 2009

UM CACHORRO ME SORRIU LATINDO

Povos de São Paulo, tribos do mundo

Por Nei Schimada

Os otimistas dizem que a crise está passando. E eles estão certos. Um velho sábio, desses pescadores de fim de semana, me disse que como o tombo foi livre e sem pára-quedas, não estamos sentindo a ligeira melhoria da economia casual, do dia-a-dia no pacote de supermercado.
O que eu percebi é que há mais descontos em tudo, de carros às grandes cadeias de fast food, à xampus, tudo em promoção.

A economia dos financistas profissionais de sete ou mais dígitos continua com o dólar em baixa e o iene em alta, ou seja, com a balança comercial negativa para o Japão, para suas empresas, empregados e os brasileiros que restaram. E são muitos. A maioria vivendo tanto tempo no Japão que esqueceram como era a vida no Brasil. Eu me incluo nessa leva. Não nos acostumamos mais ao temperamento tropical das instituições públicas, das ligeiras depredações urbanas e até mesmo da gorjeta, matéria inexistente por aqui. Aos poucos, do Brasil, só nos resta a nostalgia das imagens na memória, algumas fotos antológicas e mesmo a saudade mais profunda, aquela cantada em versos, das liras e canções, distancia-se da dor e fica reservada num canto d’alma.

Mesmo soando frio e calculista, descobri que a felicidade não está no chão em que se pisa, mas dentro, bem lá dentro, no âmago do umbigo das emoções mais primitivas e baratas. Eu acredito que seria feliz até numa barraca de madeira no Alaska. Gelado, mas feliz. Certo, eu digo isso porque nada me empurra para tal situação extrema, mas como tudo é simples em ficção, aqui estamos. E nunca estaremos lá.

Uma das perguntas que os brasileiros se faziam e já não está mais na vala dos assuntos comuns é “quando você volta?”. Ninguém mais se pergunta isso porque todos já sabem a resposta: “ah, não sei”.

Está claro a todos que nos acostumamos à vida no Japão. Se antes reclamávamos do serviço corrido, das horas estafantes dentro de uma fábrica, dos humores detestáveis de chefes japoneses estressados (e muito pior, de chefes brasileiros), a compensação veio para muitos na forma de segurança nas ruas, hospitais organizados, funcionários públicos educados, e principalmente, a almejada condição de classe média, conforto burguês, sofá macio, tv plasma e carro na garagem, principalmente para quem saiu da vida rural – ou quase isso.

Como citei antes, com a saudade guardada num casulo de eterna esperança e proteção, fica mais fácil viver longe de casa.

Eu diria que a saudade estendeu-se para muito além do quintal feito um elástico. É como se não houvesse mais saudade de nada e ao mesmo tempo uma imensa saudade de tudo – esquizofrenias plenas no ticket de embarque - só porque não pertencemos a lugar nenhum.

Dizem que no momento em que um filho nasce, tudo o que você tinha como vida acaba para sempre e começa uma situação nova. Aquela, antes desse amor incondicional chorando e pedindo colo, nunca mais. Sair do país também é assim. Nunca mais é o mesmo, nem as paredes do quarto, os olhos de mãe, as conversas antigas, os segredos invioláveis, as piadas da madrugada. A grande diferença é que para quem ficou, tudo está como sempre foi e, para quem foi, nada mais tem o mesmo sentido. São dois tempos. Einstein tinha razão, pelo menos quanto à emoção.

A internet contribui para encurtar tempos e distâncias. Vez por outra converso e vejo gente que não via ha mais de cinco anos, alguns, mais de dez anos e, claro, não é a mesma coisa de um abraço, uma mesa, uma garrafa e dois copos entre nós, mas é bem melhor que um telefonema ou a eterna espera de uma carta. Apesar de ainda mandar cartões postais para pessoas que não têm internet. Oh, sim, eles existem.

Ontem mesmo, sentados numa cafeteria vendo a vida e os carros passarem, minha esposa e eu conversávamos sobre a volta ou a permanência, as opções, as condições. O futuro.
Escolher o futuro numa bifurcação tão paradoxal só vi acontecer com os outros e em filmes. Não sei a resposta e nem sei se quando a tiver, será a melhor escolha, a mais viável e interessante para a vida toda. É difícil, a mais difícil das escolhas.

Acreditem, é muito mais fácil sair do Brasil do que voltar para ele.

Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros. Leia mais em:
A SEGUNDA NUNCA SERÁ A PRIMEIRA
IDIOMAS, IPSIS LITTERIS

DE CÁ PRA LÁ, BALANGANDO
NA PRÓXIMA QUARTA E OUTRAS DA SEMANA
AMIGOS, OS DISCOS, OS VINHOS – OS CARAS IMORTAIS
BOM BOM
A CORRIDA DE SÃO SILVRESTRE – OBSCURAS ORIGENS
TEM ESSA E OUTRAS PIORES
PAULISTANO QUE É PAULISTANO NÃO CHORA
ROBERTOS, CARLOS
TODO IMIGRANTE É A PULGA ATRÁS DA ORELHA

6 comentários:

  1. A conclusão é bem por aí, Nei.

    Ainda que eu vá ao Brasil com certa frequência - e isso faz pressupor menor impacto - , ainda me deparo pensando sobre o hipotético futuro de velhice tranquila, se aquí ou em Cariri d'Oeste. Se continuar vestindo Armani para trabalhar ou ser feliz cuidando de uma horta minha, sabe como. Será talvez minha idade 'neutra', nova para pensar no resto dos meus dias, mas velha para readaptação à certa realidade. Não tenho filhos, e isso me dá maior liberdade de ações, nem preciso estabelecer uma referência física. Portanto, a referência à qual quero me basear (no futuro)se torna algo muito subjetivo - tipo afeto, velhas amizades, conforto psicológico, etc - e aí a bifurcação se torna um crucifixo. (Uffa, que papo. Pede mais uma pro garçom, Nei. E mais um copo!)

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  2. O Brasil já era é melhor comer restos de sushi do que roer pão duro na Av. Paulista...

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  3. Marco Aurelio Mantovane27 de setembro de 2009 às 17:19

    Cade ascronica...Nei Pô!!!

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  4. Marco Aurelio:

    Tava desempregado, arrumei um emprego, mas nao era o que eu queria e agora na fase entrevista de algo melhor.
    Deixa a vida melhorar que eu melhoro junto.

    Abracos!

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  5. Gostei muito do texto.
    Tenho certeza de que meu sentimento seria o mesmo que o seu; pena que minha coragem ficou bem aquém da sua.
    Abs

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