Povos de São Paulo, tribos do mundo
Por Nei Schimada
Neste feriado de fim de ano, íamos para Hiroshima. Mas fazendo as contas grana/tempo/carro ou grana/tempo/trem-comum ou grana/tempo/trem bala e ainda considerando a estadia num youth albergue e rango, o melhor mesmo é ficar ao redor dos 250 km de casa, e ficar indo e voltando. As opções são boas, ir até a província de Fukui ken, que fica na costa japonesa voltada para o continente asiático, e depois ir até Gotenba, perto do Monte Fuji. Turistada de bate-e-pronto, almoçar por lá, curtir e voltar pro sweet sofá.
Com a grana que sobrou da aventura Hiroshima, pensei em comprar alguns livros.
Liguei o PC atrás daquela livraria virtual japonesa, ligada a uma grande editora nipo-brasileira que publica um jornal semanal e uma revista quinzenal. “Nada consta”, diz o link para o site onde desativaram os serviços por tempo indeterminado.
Eles tinham bons títulos e não só a lista da Veja ou coisas de auto-ajuda ou kardecismo de balcão. Tinham, por exemplo, todos os livros do Chico Buarque ou dois ou três do Loyola, alguma coisa do Nabokov, Mario Prata, Machados, Clarisses e muito mais.
Mas aconteceu a crise financeira e com ela desativaram a livraria. Não fiquei surpreso, só chateado. E não com os donos da livraria, mas com a maioria da clientela brasileira que não lê nada e, conseqüentemente, não compra nada. A livraria andava às moscas, mesmo nos tempos das vacas gordas.
Era inevitável que demitissem a pessoa que recebia os pedidos e fazia os trâmites de compra e transporte do Brasil para cá e para a casa do leitor.
Ontem estive com um amigo que é dono de um mercado brasileiro que vende carne australiana. Toda a carne vendida nos mercados brasileiros é de origem australiana. Quando cheguei lá, ele estava no balcão conversando com o distribuidor japonês que estava dizendo que a importadora não tem carne. Nem carne, nem panis, nem livros, nem circenses. Nem nada.
Assim que o japonês se despediu, ele me confidenciou que iria faltar carne. Já estão me faltando os parágrafos, pensei.
O que ainda me salva são os 40 quilos de livros que eu trouxe da recente passagem pelo Brasil. A companhia aérea me deu o direito de carregar duas malas de 32 quilos. Eu não ia trazer mortadela ou salaminho, a não ser que fosse o gibi de Ibanez, o Mortadelo & Salaminho.
Ainda devo ter uns 15 quilos para consumir. A densidade é relativa. Tem um Santo Agostinho que é fininho assim, mas pesa tanto quanto o Boeing que me trouxe. E paradoxalmente, me faz voar.
Quanto à carne, faz tempo que não como um bife. Não por causa do importador da Austrália, mas por opção.
O que a maioria das pessoas não sabem é que um livro é mais saboroso que um bife. E não engorda.
O problema é que diante de algumas situações, cortam-se as letras, os salários dos professores, as pernas das carteiras escolares. Na cidade de São Paulo, quase cortaram a merenda escolar do orçamento.
Para ilustrar a situação e dar um desfecho dramático, senão trágico, na semana passada, lá onde trabalho, chegaram oito pianos de cauda usados, da Yamaha, para serem lustrados, afinados e embalados para as oito escolas públicas japonesas que os receberão na próxima semana. Escolas públicas, eu disse.
Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros. Leia mais em:
CRIANÇAS MUDAS TELEPÁTICAS
KING KONG DE APOSTILA E O MICO ACADÊMICO
LISTAS E ABISMOS
DA AVENIDA IPIRANGA À PEQUENA BENÇÃO PELAS COLHEITAS
A SEGUNDA NUNCA SERÁ A PRIMEIRA
IDIOMAS, IPSIS LITTERIS
DE CÁ PRA LÁ, BALANGANDO
NA PRÓXIMA QUARTA E OUTRAS DA SEMANA
AMIGOS, OS DISCOS, OS VINHOS – OS CARAS IMORTAIS
BOM BOM
A CORRIDA DE SÃO SILVRESTRE – OBSCURAS ORIGENS
TEM ESSA E OUTRAS PIORES
PAULISTANO QUE É PAULISTANO NÃO CHORA
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