20 de jul. de 2009

NA PRÓXIMA QUARTA E OUTRAS DA SEMANA

Povos Nei Schimadade São Paulo, tribos do mundo

Por Nei Schimada

O Eclipse

Na próxima quarta-feira, aqui no Japão, vai acontecer um eclipse total do sol e seu ápice será numa ilhota de sete mil habitantes ao sul do arquipélago principal e ao norte do arquipélago de Okinawa. No meio do caminho.

Não sei bem se a palavra é ápice, mas em outras partes do Império, não será total, será parcial.

Não, não sei o nome da ilha.

Hoje vi na tv um cientista que se prepara há dois anos para o evento astronômico e está há um mês acampado no pátio da escola secundarista local. De dois anos para cá ele vem se preparando, em muitas idas e vindas, e tem estudado a natureza local para ver se há alguma alteração da fauna e flora, como se as plantas e bichos se preparassem para o grande evento celestial.

É um exercício zen budista. Acampar numa escola, acordar com gritaria de colegiais e estudar calmamente a natureza em busca de respostas sutis e silenciosas sobre algo que ainda virá, é uma vida baseada nos jogos meditativos dos koans, é transformar-se no Galileu japonês por querer unir a ciência e a religião num só domo de sabedoria.

Todo o silêncio que cabe num olhar observador, seja na ponta de um telescópio, seja nas antenas de uma borboleta.

Essa interação entre a observação vazia zen e os efeitos empíricos da natureza também se encontram na Universidade de Shizuoka, onde cientistas monitoram as vinte e quatro horas de um aquário de peixinhos dourados em busca de alguma mudança comportamental dos tais peixinhos quando há alguma pequena variação sismológica na região. Eles acreditam que alguns animais podem prever terremotos, entre eles, cães, gatos e peixinhos dourados. A idéia é que toda casa tenha um aquário e que todos saibam como os peixes se comportam.

Por essa fica provado que zen budistas sabem como ganhar dinheiro. Eu acredito que os peixes fiquem mais assustados com as agulhas dos sismógrafos do que com um terremoto que ainda está por vir.

Um Koan

“Um dia, no mosteiro de Nansen, os residentes das alas leste e oeste estavam disputando um gato. Vendo isto, Nansen apanhou o gato e disse ‘se vocês puderem efetivamente se expressar, não o matarei’.

Ninguém respondeu. Nansen cortou o gato em dois”.

O Grande Dragão Faminto

Nishoku é eclipse em japonês. Literalmente quer dizer “comer o sol”.

Antigamente, os chineses achavam que um dragão comia o sol nos eclipses solares. E a lua era comida nos lunares. Como os sacerdotes calculavam e já sabiam de antemão o grande evento, usavam isso aterrorizando o povo e aumentando seu poder, até mesmo com os imperadores e a corte.

Todos iam às ruas bater panelas e gritar para espantar o grande dragão faminto. E conseguiam.

Dragões só largam sua presa sob protestos populares. Séculos depois chamaram isso de impeachment.

Como os kanjis são ideogramas chineses introduzidos na cultura japonesa, a expressão para eclipse ficou.

Antes da quarta

Há um grande comércio de “óculos para ver eclipses solares”. Dizem que a luz circular ao redor queima as retinas, levando o incauto à cegueira parcial, se muito expostas, total.

O homem do tempo disse que na quarta vai chover canivete em Hamamatsu. A moça do tempo, em outro canal, também.

Se cair esse toró, o céu só vai mais cinza escuro a nós, mortais curiosos sob as nuvens.

Aos anjos, aos alados e pilotos de aviões e outras traquitanas voadoras, aconselho o uso dos óculos.

Explicar que o helicóptero caiu porque o dragão estava com fome ou é transportar o veículo para dez séculos atrás ou surpreender-se vestido de toga no século XXI.

E então

Já subi duas vezes até o topo do Monte Fuji. É um grande exercício de paradoxos físicos e emocionais: prazer e dor, cansaço e integridade, frio e calor, desistência e esforço concentrado e outras sensações e descobertas que acontecem ao redor, no corpo e na mente durante a escalada.

São 3776 metros acima do nível do mar. São nove estágios e vai-se de carro ou ônibus até o quinto estágio e, de lá, começa a caminhada que pode durar de quatro a oito horas.

Só é possível nos meses de verão quando acontece o degelo do topo da montanha sagrada.

Neste ano quero ir novamente. Todo ano quero ir novamente. Um dos motivos de parar de fumar foi esse, recuperar o fôlego e conquistá-lo mais uma vez.

E lá escrevi isso, na primeira vez em 1991:

“Aos pés do Monte Fuji tem um bosque
Que é o último reduto dos duendes
E das salamandras azuis.
E lá mora um deus bonzinho“.

Nei Schimada, 43, punk, poeta e dekassegui, escreve de Hamamatsu shi - Japão. É blogueiro da Estrovenga dos Corsários Efêmeros.

Leia mais: 
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FELIZ ANIVERSÁRIO, MINHA TERRA

6 comentários:

  1. Eclipse mental... hoje no Brasil...Mentes turvas obscuras sem o calor do Sol. Obstruidas pelo dia que massacra...Viva o Eclipse, cantam todos nas baladas, nos campos de futebol, no gole de cachaça...E na boca aberta das criaças descalças nas vilas...Viva o nosso eclipse verde amarelo neste céu cor de ANIL...

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  2. Edelson, imagino o quanto o eclipse mental no Brasil seja ruim. Em todo lugar há dos taism, inclusive qui no Japão, entre os brazucas e os proprios japoneses.
    Mas acredite, a "Grande Madrugada" do Brasil foi bem pior e ainda estamos na berlinda de suas ações inconsequentes.

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  3. Mario Hanashiro Ymamura21 de julho de 2009 às 15:03

    Beleza em...Parar de fumar e subir o monte fuji que previlegio...

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  4. Marco Antonio Siqueira21 de julho de 2009 às 15:47

    Nishoku...Hummm Interessante!!!

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  5. Mario:
    Pois é, mano, parar de fumar em respeito a mim mesmo e com essa ideia de subir uma montanha.
    Tem seus simbolismos toscos, mas pelo menos parei!

    M. Antonio:
    Os ideogramas são muito interessantes, Marco.
    O kanji de homem, por exemplo, é feito por 2 outros kanjis: arrozal e força. Juntando-os, dá em homem.

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  6. Antonio Carlos Figueiredo26 de julho de 2009 às 18:07

    Sim aí!!!:::

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